quarta-feira, outubro 26, 2005

Sob o sol de Toscana


Entendi. Ela não está mais aqui, quero dizer, aquela que pensava estar. O olhar esclarecido tem um sabor diferente, talvez de uma mistura estranha e sonhadora. Talvez eu me finde mais rapidamente que o imaginado, talvez quem esteja a viver seja um estrondoso e paradoxalmente silencioso ser em espera absolutamente eterna por soluções. Percebi talvez tardiamente que a construção é lenta. È extremamente demorada. Sinto falta do que perdi, embora soubesse desde o início que seria assim. Faz-me falta o que não consegui perpetuar, como se a alegria fosse uma borboleta esvoaçante, solitariamente voando por sobre o céu de luz. Escrever é procurar temáticas variáveis, distintas entre si, é a busca incessante por um aperfeiçoar-se que nunca está completo. Pensa-se ser ainda uma figura folheada a ouro, querendo reluzir um brilho que não é seu, espera-se que o brilho continue reluzente durante a procura por mais ouro, para recobri-la ainda mais com um falso sol. Enfeita-se a jóia com uma máscara e ela aparenta o ouro. Os olhos alheios olham o retrato bem arrumado da jóia inautêntica e a atribuem um valor alto. A jóia consciente de sua viagem temporária pelo mundo dos seus admiradores, tenta reformular o provisório, e essa reconstrução de sua folhagem custa-lhe caro. Movimentar-se por sobre areias da memória é um perigo doloroso.
O revolto mar nem sempre apazigua, verdadeiramente as palavras, efêmeras letras mortas, não suavizam como as borbulhas das ondas na areia. São sonoramente multifacetadas, são, certamente apáticas a quem as ouve, o ouvido como símbolo último da verdade.
O amor soa como uma afinação de duas solidões irreconciliáveis, o casar-se é um separar-se inevitável. Diante de duas esferas centradas em si mesmas, tenta-se um elo profundo, um elo de alegria. Lentamente a dor inventa-se por entre as alegrias e envolve-as com um ar desamparado. Abandonar-se a existência, deixar-se levar pelas brisas sentimentais, perigo à vista. Comedidos, vã prosa lírica, repentinamente sozinhos. Sonolência obliqua, cantos noturnos. Enchi-me de cordões que me separam do amor.
AS tentativas de ir são perpassadas por desistências mornas. As tentativas como fogo consumindo-se, a fumaça da experiência levando pequenas fagulhas de ânimo. Calorosamente em cadências. Friamente em neblinas, névoas a recobrir as primaveras do porvir. Ahhh...as primaveras e verões que não viverei, esses que me importam saudaram-me cuidadosos de si, um adeus à tremeluzente música do porvir. Quero os cantos de volta, por mais que eles não sejam meus, quero os móveis de volta. Conturbações são sanados pelo querer indistinto. Literariamente envolvo-me nas fábulas como salvação, entro nas histórias como personagem, reinventando os finais tristes e mortais, dando-lhe significado diverso. Quero-as todas. As sementes que plantei . Não como essas minúsculas, mas as árvores, frondosos presentes, as árvores que deveriam estar grandes. Quero-as todas ardentemente, quero-as como promessa. Como alento. Acalento sorrisos findos, como se esses ainda fossem alegremente enviados do paraíso.