terça-feira, fevereiro 19, 2008

O beijo de Klimt


segunda-feira, fevereiro 18, 2008

O mundo de Alice


Dentro do coração selvagem do trabalho

Diante de si analisa uma jarra, uma pequena flor mostra seu caule verde por entre as águas límpidas, as cores das pétalas se confundem, e Alice some por entre a vegetação minimalista do sonho. Amava
Clarice, chegou a ler todos os seus livros, menos um: A maçã no escuro. Não sabia do que se tratava, nem ao menos procurara investigar o por que do nome. Um personagem feminino quando quer, tem suas sutilezas, e esconde inúmeras surpresas por baixo de sua aparente normalidade. Uma mulher de tantos atributos como julgava ser, deveria contar uma história extraordinária que servisse como justificativa de sua fugaz, no entanto, fantástica trajetória no planeta de seus semelhantes. Imaginara tantas vezes um título eficaz para seu primeiro livro: “ As histórias que queria contar”, trata-se de uma compilação que fizera de suas críticas a filmes que adorava ver. Para Alice os acontecimentos por menores as suas conseqüências, eram dignos de serem lembrados para a posteridade. As histórias que contava eram de filmes que retratavam o que dentro de si era inominável e quase impossível de desvelar sem ajuda da arte da filmografia. Não apenas os filmes, mas os livros, faziam parte de um mundo que criara para si. “ Oscilações de um tempo inoportuno”, eis outro título, diria mais fidedigno de recompensas. Chegou a esse nome quando lera que a vida era um eterno equilibrar-se no instável. Quando conhecera Isaac Bashevis Singer, um escritor polonês que descobriu ocasionalmente e que marcou sua vida para sempre. Quando mostrara um texto a sua irmã, ela dissera que imaginava que Alice seria reconhecida pela sua escritura, acreditava de forma incontestável que deveria exercer um papel de denúncia. Adorava investigações jornalísticas, quisera assistir ‘Capote’ pela demonstração do New Jornalism, um jornalismo mesclado à literatura, supunha ter um talento inegável para a literatura, mas não somente essa do cotidiano, mas uma maior, com “engajamento” , “fibra”, “firmeza”. Sua inquietude chegava às raias da excentricidade, mas isso não precisava ser um incômodo, era na verdade, o antídoto para sua liberdade criadora.
Essa liberdade construída a duras penas, era o que se diria de ‘luto antecipado’, quando assistira na aula de Técnicas Psicoterapêuticas o final da terapia vem junto com um sentimento de abandono o que se diria de luto, o paciente não quer largar do pé do analista, não só do pé, mas dele inteiro, acostumou-se àquele vício de amor emprestado e não se sente à vontade de sair assim, tão facilmente, de devolvê-lo sem maiores considerações. O luto antecipado faz parte de várias artimanhas de guerra contra o fim da análise. O que isso tem com a liberdade? Alice sabe que prender-se à terapia seria um paradoxo quando se quer liberdade. Mas o simples fato de ir contra o fim, é o exercício de sua inquietude. Aceitar o fim das coisas é antecipar-se à própria ruína. Alice exerce um luto sem vestir de preto para demonstrá-lo. Se todos devem estar vestidos adequadamente para um dia de velório, ela quer verti-se de todos os mais variados tons de cores.
Conversara com sua amiga de velhos tempos sobre um romance de Dostoievski, sim, um romance “Noites Brancas’, ficou extasiada ao entender que tal escritor tem preferência mórbida por marginalizados, por aqueles mal-compreendidos, aqueles que quase não se mostram, mas possuem uma vida interior riquíssima. Eles acabam desabafando em apenas determinado contexto. Alice sabe que a elaboração dos personagens é um exercício contínuo de observação. Ela que possui tantos, inúmeros personagens de quem gostaria de atribuir peso, quase não encontra um que queira falar sem pausas. Atribui à delírios as suas incongruências, sabe que o aspecto delirante é a atribuição firme de uma certeza. Mas ela não tem tantas certezas como imaginava ter. Quer ser cronista. Alice sabe que para chegar a esse ponto deve exercer sua faculdade de criar muito mais do que no início. Talvez queira guardar um arquivo de textos, a historiografia das maravilhas do reino de Alice. Porque afinal esse nome? Era fascinada pela figura de Alice, ela a seguia por onde fosse, era uma garotinha dentro de uma floresta cheia de surpresas inconcebíveis e que cabia a ela decifrar, por isso o seu gosto imenso pela história.
Em crime e castigo o personagem é de uma destreza para justificar seus crimes, a loucura leva-o a concatenar formas de agir destituídas de limites sociais. Alice sabia que o ser humano precisa de significado, o sentido do mundo é dado pelo protagonista. Seu sentido é o de ser reconhecida pela sua denúncia. Às vezes chega a pensar se o engajamento que pretende não seria por demais mínimo em um contexto de uma enormidade e complexidade que ainda não conhecera por completo. Chega a conclusão que não, que o mínimo deve ser feito, que é obrigação de quem ocupa o espaço que agora ocupa. Seria o desejo de grandeza? Seria a única forma de dar visibilidade à sua lida? Sim, pensava, talvez dentro de sua cartografia, era ela que desenhava os mapas, era ela que colocava os limites, era ela que conduzia o barco na descoberta de novos continentes.